Simone Almeida celebra o amor e a vida
Sandro Destro Lima | Pierry Tavares
Se perguntarmos a qualquer paraense quem é Arminda Costa, talvez a resposta seja negativa. O quadro muda, porém, quando a pergunta se refere ao trecho de uma canção cujo refrão é: “Nunca ninguém me amou assim, como você, meu grande amor.” Essa é parte da música que faz sucesso há mais de trinta anos, chamada Meu grande amor, que se tornou marca registrada de uma das maiores cantoras do estado do Pará: Simone Almeida.
Nascida em Igarapé-Miri, a artista é filha de Januária Constância da Costa Almeida e Raimundo Benedito de Brito Almeida, mais conhecidos como dona Jamita e “seu” Mundiquinho, respectivamente. A cantora tem dez irmãos, entre biológicos e “agregados”, como ela mesma afirma: Cecília, Tereza, Franklin, Tiana, Graça e Ana Selma, além dos adotivos Mário, Conceição e Braz, sendo ela a penúltima a nascer.
Em entrevista à Revista Pará+, ela contou que, durante sua infância na cidade do interior do Pará, em companhia de suas irmãs, costumava fugir de casa, escondida, para tomar banho de rio. Astutas, relembra a cantora, tinham uma estratégia serelepe para escapar das “peias” de dona Jamita: “Quando saíamos do rio, nos enxugávamos o máximo possível, a fim de não sermos descobertas pela mamãe.” Mas nem sempre dava certo, conta, entre risos, a cantora. “Mamãe levantava nosso cabelo pela nuca e, ao perceber que ainda estava úmido, nos ralhava e dava boas cinturadas”, finaliza. Simone Almeida fez questão de ressaltar que os “ralhos” de dona Jamita foram fundamentais para que ela e as irmãs se tornassem mulheres de personalidade forte e presença marcante.
Aos onze anos de idade, mudaram-se definitivamente para Belém, onde a família se estabeleceu. A partir daí, sua vida daria guinadas musicais que jamais imaginou viver. Uma de suas irmãs mais velhas, Graça Almeida, começou a participar do coro da antiga Escola Técnica Federal do Pará – atual IFPA –, instituição da qual era discente, e convidou sua irmã mais nova para ingressar no grupo. Almeida afirma que essa foi sua primeira escola de música, e que foi uma experiência transformadora, pois foi a partir daí que começou a cantar na noite, ainda muito jovem, com apenas dezoito anos. Do coral da antiga ETFPA, “Anselmo Costa, que era um dos cantores do coral, juntou alguns ex-colegas de coro e formou o madrigal ADMA”, acrônimo que homenageava o maestro Adelermo Matos, recorda com emoção.
Simone Almeida seguiu cantando, adquirindo experiência e, com o avançar dos anos e a maturidade artística, passou a se apresentar com mais frequência, ganhando visibilidade como cantora. Nessa altura, já relativamente conhecida no meio musical e na noite de Belém, firmou importantes parcerias com outros artistas, que resultaram num convite para que ela e sua irmã Tiana Almeida fossem para São Paulo atuar como backing vocals do cantor e compositor Paulo Uchôa, no programa Som Brasil, da Rede Globo. De volta a Belém, Simone Almeida integrou o grupo “Chama”, onde a dupla continuou atuando como backing vocals.
Mas o sucesso já havia determinado seus caminhos e, logo em seguida, Almeida passou a integrar a banda de baile “Os Amazônidas”, onde passou de backing vocal a intérprete – os famosos crooners –, dividindo o palco com o cantor Everaldo, conhecido como “Veveca”. Nessa época, aproximou-se ainda mais de artistas paraenses, frequentando bares e locais onde a elite das artes costumava se reunir. Ela destacou a importância desse período de sua vida, pois foi, segundo seu próprio relato, quando conheceu Ronaldo Silva, que, àquela altura, tinha um trabalho autoral com sua banda, a “Via Norte”. “Passei a ter contato, de fato, com a produção da música paraense”, ressalta a cantora, destacando que foi a partir daí que passou a pensar em desenvolver um trabalho solo.
O ano era 1991, e, no cenário da música nacional, destacavam-se artistas como Zélia Duncan, Lenine, Cássia Eller e o grupo Só Pra Contrariar, liderado por Alexandre Pires. No Pará, a banda Sayonara lançava o disco De Volta aos Anos 60, além da forte presença de outros cantores de sucesso, como Kim Marques, Mosaico de Ravena, Violeta Púrpura, Fafá de Belém e Nilson Chaves. O cenário não poderia ser diferente, pois foi nesse circuito agitado, entre idas e vindas, que, numa viagem para Altamira – onde foi fazer backing vocal para a cantora Liz –, Almeida conheceu aquele que viria a tornar-se seu esposo e pai de seus filhos: o técnico de som Fernando Dacko, uma das referências nacionais do áudio.
DO PRIMEIRO DISCO PREMIADO À CARREIRA DE SUCESSO
Simone Almeida relembrou com emoção a maneira como seu primeiro disco surgiu, “espontaneamente”, a partir de uma única faixa que ela gravou – a música Olhares Velozes, de Dacko e Luiz Pardal –, que, ao ser enviada para a Rádio Cultura, passou a tocar na programação cotidiana da emissora. Isso contribuiu para que decidissem gravar um álbum completo com treze faixas, destacando-se, dentre elas, a famosíssima Meu grande amor, maior sucesso de sua carreira.
“Eu me apaixonei, na hora, pela música do Eudes Fraga”, sentencia a artista. “Foi uma unanimidade entre a equipe, pois a música tem uma letra romântica e muito bem elaborada”, prossegue, “além de ser uma verdadeira declaração de amor”, conclui. Seu primeiro disco foi um enorme sucesso, e logo Simone Almeida passou a figurar entre os maiores nomes da música popular paraense. “Foi um trabalho super bem recebido pelo público”, relembra Almeida.
Ela integrou elencos de shows importantes em Belém, como Mulheres, Mulher e Amada, Peças Íntimas e Mulheres II. Fez turnê pela Amazônia Legal com o show Tambores da Amazônia, ao lado de Nilson Chaves e Marco André, além de homenagens a compositores amazônicos de destaque, como Ruy Barata e Waldemar Henrique. Participou de projetos como o Canta Pará e Cantorias Amazônicas, este no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro. Além de cantar em bares e casas noturnas, apresentou shows em teatros (Faces, Cantando Belém, Palavras, Dedicado a Você) e em festivais, como o 14º FECANI (Festival da Canção de Itacoatiara), no estado do Amazonas, onde participou como atração nacional.
Simone Almeida fez a abertura do Circuito Cultural Banco do Brasil, em Belém, e lançou RECADO, seu primeiro CD solo, que foi indicado ao Prêmio TIM da Música e concorreu com mais 30 CDs de música brasileira à indicação ao Grammy Latino. Foi premiada como a melhor cantora paraense de MPB e melhor CD de MPB no I Prêmio Cultura de Música. Foi uma das 50 artistas contempladas pelo Programa Rumos, do Instituto Itaú Cultural, e concorreu ao 8º Prêmio VISA de Música Brasileira – edição vocal, sendo a única representante do Norte do país.
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TALENTO FAMILIAR E AMOR À ARTE
Além de Simone Almeida, há muitos outros artistas de destaque em sua família, cantando, tocando, atuando, dirigindo, criando ou produzindo, como reflexo de uma veia artística inata, herdada de dona Jamita e “seu” Mundiquinho. Sua genitora, por exemplo, era instrumentista e tocava órgão na Igreja Matriz de Igarapé-Miri, a paróquia de Santa Ana. Almeida destacou que tudo, para sua mãe, era inspiração para cantar. “Ela passava o dia todo cantando durante suas atividades do lar, e isso nos inspirava e inspira até hoje”, lembrou a artista. “Já meu pai foi um compositor de sensibilidade ímpar, sendo o autor do hino do time de futebol de nossa cidade”, conclui.
Poucos sabem, mas Simone Almeida é cunhada de Nilson Chaves, um dos maiores nomes da música popular brasileira, que é casado com Graça Almeida, sua irmã. Além dela, outro nome de peso – que figura nas memórias de verão de milhares de paraenses – é o de sua irmã mais nova, Ana Selma, que brilhou como vocalista das bandas Fazendo Arte e Alternativa, embalando o verão amazônico nas décadas de 80 e 90. Ana Selma é, até hoje, uma das figuras mais indeléveis do verão paraense, ao lado de Mahrco Monteiro.
Falando de outros talentos familiares, suas irmãs Graça e Tiana também são cantoras, o que faz da família um celeiro de artistas que se desdobram em multifacetas diversas. Mas não para por aí. “Quem deu o pontapé inicial foi minha irmã Cecília Almeida, que foi vocalista da banda Miri Boys, em Igarapé-Miri, grupo que atuava como banda de baile, cantando músicas nacionais, regionais e internacionais, com destaque para suas interpretações de Celly Campelo, que fazem parte das memórias afetivas de muitos mirienses de ontem e servem de inspiração para os de hoje.”
“Tenho uma sobrinha que é maquiadora, a Moara Carneiro, que, por sinal, é responsável pelas makes dos meus shows”, elenca a artista, “assim como seu irmão, Kauã Carneiro, que é multi-instrumentista como seu pai, Adelbert Carneiro.” Mas também temos Kauê Almeida, filho de Graça e enteado de Nilson Chaves, que é DJ. “Já a Tiana Almeida, minha irmã, por sua vez, tem um filho que é violonista, percussionista, cantor e compositor: o Ryan Rocha”, segue a artista, listando a interminável lista de estrelas que encerra com seus próprios filhos: Gabriel Almeida, que é baixista, violonista e guitarrista autodidata; Fernando Almeida, que é baterista – mas também toca violão, ukulelê e contrabaixo; Bia Almeida, que canta e também é autodidata; e Dacko, seu esposo, que é tecladista, contrabaixista, violonista – autodidata – além de compositor, produtor, escritor e técnico de som.
ARTE COMO INSTRUMENTO DE INCLUSÃO SOCIAL
Simone Almeida representa a máxima expressão de um artista sensível e atuante em muitas frentes. Prova disso é sua veia natural para articular projetos e ações sociais que têm ajudado muitas pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica e alimentar.
Em 2020, em plena pandemia de COVID-19, a convite do cantor, instrumentista, compositor e produtor musical e cultural Renato Rosas, iniciou um projeto social que realizava lives solidárias para recolher alimentos que eram doados a moradores de comunidades do Jurunas. “Eu lembro que, quando o Renato [Rosas] me enviou uma mensagem pelo WhatsApp, falando sobre seu projeto e me convidando para integrá-lo, nem pensei duas vezes”, lembra Almeida. “Aceitei o convite na hora, pois já era algo que eu costumava fazer em meus shows”, continua. “Sempre pedi para que meus fãs e o público em geral levassem, quando possível, 1 kg de alimento não perecível, que minha produção doava a pessoas em situação de vulnerabilidade alimentar”, conclui.
Alguns desses projetos tiveram apoio de outra iniciativa com o mesmo objetivo, o Projeto ComPaixão Belém, sob a direção de Picanço Di Araújo, que somou seus apoiadores às iniciativas sociais defendidas por ela. “Como o Renato já desenvolvia essas ações à frente da OCAS [Organização Comunitária de Adesão Social], eu ingressei com minha equipe de produção e realizamos diversos eventos com esse fim”, finaliza Almeida
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A LUTA CONTRA A DEPRESSÃO E A CONVERSÃO À FÉ CRISTÃ
Como sua vida sempre foi marcada por lutas e desafios que precisou vencer, Simone Almeida também teve de lidar com um problema que assola milhões de pessoas mundo afora: a depressão. “Eu lembro pouco dos detalhes de como tudo começou”, relata Almeida, “mas consigo afirmar que foi um período difícil, em que me afastei completamente da minha arte.” Ainda assim, durante esse tempo, conseguiu, com esforço hercúleo, participar de alguns trabalhos, como a gravação de um DVD do cantor Mahrco Monteiro, que regravou seu grande sucesso, a música Meu grande amor.
“Eu lembro que, nesse dia, eu estava medicada e bem mais tranquila, e fui ao Teatro Margarida Schivasappa gravar com o Marquinho.” Ela também participou de um documentário chamado Mulheres, da jornalista, apresentadora e produtora executiva Márcia Freitas.
Através de seu irmão Franklin, “que já era convertido há mais de vinte anos”, informa Almeida, a cantora passou a frequentar uma denominação cristã evangélica, onde se converteu, passando também a cantar música cristã. Isso resultou em um disco gospel, intitulado O Amor Maior. “Eu estava em busca de algo que eu não sabia o que era, até que, ouvindo louvores, comecei a sentir algo muito forte em meu coração”, destaca Almeida. “Disso, fui batizada nas águas e passei a falar do amor de Jesus às pessoas.”
O NOVO DISCO LANÇADO RECENTEMENTE
Recentemente, Simone Almeida lançou um novo álbum, o EP Leve, que emocionou o público presente no Teatro Experimental Waldemar Henrique, no último dia 4, quinta-feira, em Belém. A cantora paraense, cuja voz é considerada uma das mais suaves da música brasileira, brindou a plateia com o show de lançamento do disco, seu mais recente trabalho, que reúne sete faixas, incluindo duas composições inéditas da própria artista, que agora também se apresenta como autora.
O EP acústico contou com a participação dos instrumentistas Davi Amorim e Igor Capela, que acompanharam a cantora na apresentação de lançamento. O show teve, ainda, a presença dos cantores e compositores Allan Carvalho, Allex Ribeiro, Guto Risuenho e Renato Rosas.
Com mais de 30 anos de carreira, Simone Almeida vê no EP uma obra de redescoberta. “Estou muito feliz com esse trabalho. São músicas não tão conhecidas, como é natural a um disco que acaba de ser lançado”, comemora. “Mas também encaro esse trabalho como um ressurgimento, uma continuidade de uma trajetória que eu sempre busquei, visando qualidade, visando colocar no mercado músicas que tenham conteúdo, que tragam mensagens positivas em meio a esse momento que o Brasil passa no mercado musical”, avalia.
O lançamento marcou uma nova fase na vida de Simone, que, de forma resiliente, superou obstáculos na vida pessoal e partiu em busca de um caminho mais equilibrado. Leve reflete canções escolhidas a dedo, cujas sonoridades instigam sentimentos mistos e profundos, sem deixar de lado a serenidade que se busca em meio à corrida ansiosa que o cotidiano, às vezes, nos impõe. “Eu queria um nome que tivesse relação com tranquilidade, após o turbilhão de coisas que passei com a depressão e ansiedade. Foi a partir daí que meu marido escolheu o nome do disco, e esse foi um momento de reconexão comigo”, explicou a cantora.
As duas composições da paraense foram criadas em parceria com Renato Rosas e Guto Risuenho. O EP também trouxe obras de Allex Ribeiro e João Paulo Carvalho; Juraíldes da Cruz; Simone Carvalho e Rafael Gabriel; Davi Amorim (responsável pelos arranjos) e Dilla Gomes; e Allan Carvalho. A produção foi assinada por Fernando Dacko e Simone Almeida, com direção geral de Fernando Dacko e produção executiva de Sandro Destro Lima. Moara Carneiro e Pierry Tavares foram os maquiadores de todos os cantores que se apresentaram, com coprodução de Patrícia Oliveira.
Todas as músicas, de todos os seus discos – incluindo o EP Leve – já estão disponíveis nas plataformas digitais.
Este trabalho tem importância singular, pois envolveu profissionais do Norte do país, da nossa região tão esquecida. O lançamento foi viabilizado por meio do edital de circulação de projetos culturais da Secretaria de Cultura do Pará (SECULT), com recursos da Política Nacional Aldir Blanc.