Esquecimento de taxa de us$ 450 pode custar bilhões à Novo Nordisk e antecipar quebra de patente do Ozempic

A farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk, responsável por medicamentos de alto impacto como o Ozempic e o Wegovy, enfrenta um possível revés bilionário após não pagar uma taxa de apenas US\$ 450 para manter a patente de sua principal substância ativa, a semaglutida, no Canadá. O erro, ocorrido em 2019, levou à extinção definitiva da proteção legal do composto no segundo maior mercado global da molécula. Autoridades canadenses confirmaram que a patente não pode ser restaurada, o que abre caminho para a entrada de genéricos já a partir de 2026.

A falha na manutenção da patente pode acelerar uma mudança no mercado farmacêutico mundial, uma vez que a ausência de exclusividade permite que laboratórios concorrentes produzam e comercializem a substância por preços mais baixos. Com isso, a quebra da patente da semaglutida no Canadá antecipa para o mercado global um processo inicialmente previsto apenas para 2032 nos Estados Unidos, quando a patente principal da Novo Nordisk expiraria.

O CEO da Sandoz, Richard Saynor, empresa especializada em genéricos e biossimilares, destacou em entrevista o potencial de mercado criado pelo vacilo da Novo Nordisk. Segundo ele, a expectativa da Sandoz é lançar versões genéricas da semaglutida não apenas no Canadá, mas também no Brasil, já em 2026. Ele ainda apontou o potencial da chamada demanda transfronteiriça, em que pacientes cruzam fronteiras em busca de medicamentos mais baratos, como já ocorre com a insulina entre Estados Unidos e Canadá.

A semaglutida, substância base tanto do Ozempic quanto do Wegovy, tem se mostrado revolucionária no tratamento de diabetes tipo 2 e obesidade. No caso do Ozempic, o medicamento foi aprovado em vários países para melhorar o controle glicêmico, reduzindo o risco de complicações cardiovasculares em pacientes diabéticos. Já o Wegovy tem sido usado em conjunto com dieta e exercícios físicos para controle do peso em pacientes com índice de massa corporal (IMC) igual ou superior a 30, ou superior a 27 no caso de indivíduos com comorbidades como hipertensão arterial.

O alto custo dessas medicações, no entanto, tem sido um dos principais impeditivos para o acesso mais amplo, sobretudo em países em desenvolvimento. No Brasil, por exemplo, uma caixa de Ozempic com doses de 0,25 mg e 0,5 mg chega a custar até R\$ 1.063 em farmácias físicas, enquanto o Wegovy na dose de 2,4 mg pode ultrapassar os R\$ 1.799. A Novo Nordisk anunciou recentemente uma redução de até 20% nos preços dos medicamentos dentro do seu programa de suporte ao paciente, como forma de combater falsificações e ampliar o acesso.

Durante entrevista ao UOL News, o endocrinologista e nutrólogo Lucas Costa comentou a perspectiva da quebra da patente como uma janela de oportunidade para ampliar o acesso da população brasileira ao tratamento. “A patente dessa medicação cai em 2026. Existe a perspectiva de que, com a quebra, isso possa se ampliar em termos populacionais”, afirmou. Ele destacou ainda que governos estaduais e federais já estão em conversas para viabilizar a inclusão desses medicamentos no SUS, o Sistema Único de Saúde.

Lucas Costa classificou a recente redução de preços promovida pela farmacêutica como uma surpresa positiva, considerando a expressividade da queda e o impacto potencial no tratamento da obesidade e diabetes. “Essa é uma família de medicações moderna, efetiva, mas que tem um grande impeditivo que é o custo. Lembrando que mais da metade da população brasileira está acima do peso. Medidas que ampliem o acesso com acompanhamento médico são muito bem-vindas.”

Com a quebra da patente no Canadá, outros países com legislações semelhantes poderão considerar mais rapidamente a liberação de versões genéricas, o que deve pressionar os preços no mercado internacional. A farmacêutica Novo Nordisk, que tem registrado lucros recordes com a explosão da demanda por Ozempic e Wegovy, pode sofrer impactos financeiros significativos. Analistas de mercado já revisam suas projeções, considerando o efeito da entrada de genéricos no Canadá e em outros mercados emergentes.

A decisão da autoridade de propriedade intelectual do Canadá é considerada definitiva. O órgão reiterou que uma vez extinta, a patente não pode ser restaurada nem por recurso judicial, o que inviabiliza qualquer tentativa da Novo Nordisk de reverter o erro. Embora a empresa não tenha comentado publicamente o caso, fontes ligadas à farmacêutica reconheceram o esquecimento do pagamento, atribuindo-o a uma falha administrativa isolada.

O episódio lança luz sobre o funcionamento do sistema internacional de patentes e a importância de sua manutenção adequada, especialmente em mercados estratégicos. No caso da semaglutida, cuja demanda cresce exponencialmente, perder a proteção de patente pode significar um redirecionamento na estratégia comercial da farmacêutica, incluindo a aceleração de novos lançamentos e a tentativa de manter o domínio do mercado por meio de versões modificadas, como medicamentos de liberação prolongada ou novas formulações combinadas.

Enquanto isso, os efeitos adversos dos medicamentos seguem sendo estudados com atenção. Os efeitos mais comuns do Wegovy são náuseas e vômitos, mas também podem incluir fadiga, constipação, dores abdominais e tonturas. Em estudos com animais, foram observados tumores de tireoide, embora a literatura científica em humanos ainda considere tais ocorrências extremamente raras. No caso do Ozempic, os principais efeitos colaterais são gastrointestinais, como diarreia, constipação, gases e enjoo. Reações incomuns incluem depressão, lesão nos vasos sanguíneos da retina, problemas renais e formação de cálculos biliares.

Apesar disso, os benefícios clínicos têm superado os riscos, levando a uma crescente aceitação médica. Tanto o Ozempic quanto o Wegovy figuram atualmente entre os medicamentos mais prescritos no mundo, com fila de espera em várias redes de farmácias. A expectativa é que a produção global aumente substancialmente até 2026, principalmente com a entrada de genéricos, o que poderá transformar profundamente o acesso ao tratamento de doenças metabólicas.

Com o provável lançamento de versões genéricas em 2026, o Brasil poderá seguir o mesmo caminho do Canadá, adotando medicamentos similares no SUS e ampliando o acesso a milhões de pacientes que hoje não conseguem arcar com os altos custos. A eventual liberação para uso público, no entanto, exigirá avaliações da Anvisa e estudos de custo-efetividade. Especialistas defendem que o país prepare desde já sua infraestrutura para absorver a nova demanda, promovendo o acesso de forma segura, eficaz e economicamente viável.