A Educação de Jovens, Adultos e Idosos de Belém já transformou inúmeras vidas. São pessoas que muitas vezes não acreditavam que um dia voltariam a estudar, até se redescobrirem como estudantes plenamente capazes e dignos de sonhar com um futuro diferente.
Relatos de vidas
Essa é a história de Valmir Osório Pinto, de 56 anos, que concluiu o Ensino Fundamental em 2024 pela Educação de Jovens, Adultos e Idosos (Ejai) da Escola Municipal Walter Leite Caminha, no bairro do Mangueirão. Valmir tinha interrompido os estudos aos 17 anos de idade para poder trabalhar e ajudar a mãe no sustento da família. “Eu estudei até a 6ª série. Depois meu pai faleceu e ficou só a minha mãe. Ela dependia muito dele, então eu passei ajudar na parte financeira. A escolha que eu fiz foi começar a trabalhar”, relembra Valmir. Mas um dos resultados dessa escolha foi uma vida profissional limitada.
“Sem o conhecimento, a gente esbarra em algumas coisas, como dificuldade de conseguir um emprego, uma melhor remuneração. Quando a gente para de estudar, enfrenta essas situações”, comenta Valmir, que já trabalhou em casas noturnas, restaurante e pizzaria, e hoje é motoboy e também realiza corridas por aplicativos na sua moto.
Certa vez, ele tentou voltar a estudar. Mas um dos maiores desafios de muitas pessoas que interrompem os estudos e depois precisam conciliar a vida escolar com o trabalho é o cansaço. “Teve um tempo que eu me matriculei, mas eu chegava muito cansado, então eu não consegui continuar, foi difícil. Eu não sabia que a gente podia ter acesso novamente pela Educação de Jovens e Adultos”, explica.
Porém, apesar das dificuldades, ele nunca deixou de sonhar. “Eu sempre via as pessoas se formando, naquela festa do vestibular.Eu passei a pensar que eu tinha que recomeçar. E isso se tornou um sonho, eu sonhava comigo estudando na sala de aula. Ainda achando que eu não tinha condições, mesmo assim eu me matriculei. Eu via as pessoas se formando numa idade avançada, fazendo faculdade com 70, 80 anos… E por que eu, com 56, também não posso concluir? E foi a partir desse momento que eu comecei a voltar”. Seu Valmir concluiu o Ensino Fundamental e agora já está cursando o primeiro ano do Ensino Médio.
Um recomeço
Dona Maria das Dores de Souza, de 60 anos, está no início dessa jornada de recomeço. Matriculada há cerca de um mês na Escola Municipal Comandante Klautau, na Sacramenta, ela conta que os maiores incentivadores para o retorno aos estudos foram seus filhos. “Quem me incentivou a voltar a estudar foram meus filhos e minhas filhas. Eu falei que queria, mas pensei em voltar atrás. E eles disseram ‘A senhora pode, a senhora tem como voltar, quando a senhora tava com o papai não podia, porque ele era doente e era só cuidar dele’. Eu parei de estudar na quarta série, em 79. Foram 45 anos sem estudar”, relata Dona Maria.
Dona de casa, ela cuidava do esposo doente que faleceu há pouco tempo. Dedicou sua vida para cuidar também dos filhos e dos serviços domésticos, depois de ter tido uma história de vida marcada pelo trabalho infantil. “Meu pai morreu quando eu tinha 11 anos de idade. Meu tio pediu pra minha mãe para me criar aí eu fui ver o que era ruindade. Eu tinha que fazer tudo na casa, eles trabalhavam, marido e mulher. E não dava tempo de estudar. Quando fiz 15 anos, eu consegui voltar para a casa da minha mãe. Depois eu me envolvi com meu esposo, tive 4 filhos com ele e a minha tarefa era cuidar dos filhos e do marido, nunca trabalhei fora, era só em casa”, relembra.
Maria das Dores morava em Ponta de Pedras, no Marajó, e chegou em Belém há cerca de dois meses. Agora viúva, ela conta que estar na escola representa um recomeço. Mesmo com seus problemas de saúde, ela não desanima. “Todos os professores daqui são excelentes, a diretora… Eu tô me sentindo muito feliz. Desde quando comecei, não faltei nenhum dia [de aula]. Eu tenho diabetes, pressão baixa, então nem sempre eu tô com disposição, mas mesmo assim eu vou, me arrumo e depois que chego aqui, pronto, melhoro, tudo fica bom”, comenta a dona de casa.
Escola de portas abertas o ano todo
A Ejai tem um calendário diferente do restante da Rede Municipal de Educação. O jovem, adulto ou idoso que deseja se matricular, pode fazer isso em qualquer período do ano, basta buscar uma das unidades de ensino de Belém. É por isso que professores, gestores e a Coordenadoria de Educação de Jovens, Adultos e Idosos (Coejai) da Secretaria de Educação, Ciência e Tecnologia (Semec) realiza o ano todo a chamada busca ativa, realizando um trabalho de informação e sensibilização em lugares estratégicos, de maior circulação de pessoas e em bairros onde há maior índice de pessoas analfabetas ou semianalfabetas, para incentivar o retorno às salas de aula.
“As matrículas estão num processo contínuo, ocorrem durante o ano todo devido ao público diverso: trabalhadores, mães, pais, avós. Temos também pessoas em situação de rua, pessoas em sistemas prisionais, no semiaberto, comunidades ribeirinhas… A matrícula vem crescendo a cada dia, motivada pela busca ativa contínua realizada pelos professores, coordenadores, diretores de escolas e pela equipe da Coejai”, explica a professora formadora da Coejai – Semec, Ângela Pantoja. Atualmente, a rede municipal já está com cerca de 3.500 estudantes matriculados nas 38 unidades educativas, e a meta é alcançar o total de 4500 estudantes.
Seu Valmir deixa seu recado para aqueles que ainda não decidiram se voltam a estudar. “Que as pessoas não desistam dos seus sonhos, seus objetivos. Tem uma frase que eu gravei comigo, que é ‘a saída do fraco é desistir, e a alternativa do forte é persistir’. Então você que parou, não importa por quantos anos, continue. O conhecimento é bom. Uma pessoa parada não evolui, e a nossa mente precisa de algo para trabalhar”, concluiu.
Para quem deseja se matricular na Ejai, basta procurar uma das escolas levando RG ou Certidão de Nascimento, CPF e comprovante de residência. As aulas acontecem sempre no turno da noite, das 19h às 22h.
Confira abaixo a relação das unidades de ensino de Belém que possuem a modalidade de Educação de Jovens, Adultos e Idosos:
Benvinda de França Messias (São Brás)
Gabriel Lage (Tapanã)
Maria Heloisa de Castro (Tapanã)
João Carlos Batista (Cabanagem)
Florestan Fernandes (Benguí)
Walter Leite Caminha (Mangueirão)
Cordolina Fontelles de Lima (Pratinha)
Duas Irmãs (Pratinha)
Parque Bolonha (Águas Lindas)
Olga Benário (Águas Lindas)
Ida de Oliveira (Maracangalha)
República de Portugal (Marambaia)
Palmira Lins (Marambaia)
Padre Leandro Pinheiro (Guamá)
Rotary (Guamá)
Edson Luís (Guamá)
Honorato Filgueiras (Cidade Velha)
Nestor Nonato de Lima (Jurunas)
Parque Amazônia (Terra Firme)
Solerno Moreira (Terra Firme)
Maria Luiza Pinto Amaral (Sacramenta)
Josino Viana (Pedreira)
Palmira Gabriel (Pedreira)
João Nelson Ribeiro (Telégrafo)
Comandante Klautau (Sacramenta)
Alfredo Chaves (Cruzeiro – Icoaraci)
Liceu Escola Mestre Raimundo Cardoso (Paracuri – Icoaraci)
Madalena Raad (Paracuri – Icoaraci)
Ciro Pimenta (Parque Guajará – Icoaraci)
Vanda Célia Ferreira de Souza (Maracacuera – Icoaraci)
Paulo Freire (Tenoné)
Abel Martins (Carananduba – Mosqueiro)
Anna Barreau Mininéia (Ariramba – Mosqueiro)
Donatila Lopes (Farol – Mosqueiro)
Helder Fialho (Brasília – Outeiro)
Nossa Senhora dos Navegantes (Ilha Sul – Igarapé do Aurá)
Escola Bosque Prof. Eidorfe Moreira (Outeiro)
Casa Escola da Pesca (Itaiteua)